Budapeste e a santidade

Há dias, procurando informação cibernética para as minhas próximas férias (está quase, está quase!), deparei-me com uma curiosidade, que me lembrou outros destinos:

«Let's Go Picks Weirdest religious relic: The light-up right hand of St. Stephen in Budapest.»

Em Agosto do ano passado, aquando da minha passagem por Budapeste, chamou-me igualmente a atenção a dita relíquia. Vi-a num dia em que fui visitar a Basílica de Santo Estêvão (Szent István, em húngaro). É um monumento sumptuoso, entre o neo-clássico e o neo-renascentista (dois arquitectos sucessivos...), com uma grande cúpula (22 m de diâmetro por 96 m de altura) e um interior ricamente decorado, todo em mármore de várias cores (cerca de 150 tipos de mármore diferentes). Foi totalmente destruída pelos bombardeamentos dos aliados, durante a IIGG, e encontra(va)-se ainda em obras de reconstrução.
Num primeiro impacto, o que mais me impressionou foi a figura de um enorme huno (perdão, magiar, que eles recusam tão bárbara ascendência) de grandes bigodes e espada à cinta, em mármore branco de Carrara, no altar, onde é habitual encontrar mártires judeus ou figuras religiosas com ar piedoso.
Parece que, afinal, na Idade Média, para se ser santo, bastava ser sanguinário o suficiente para matar um punhado de infiéis. O rei Estêvão, além de ter sido coroado pelo próprio Papa, foi canonizado 45 anos depois de morrer. Canonizado foi também o filho, o príncipe Imre (Emericus, em latim, Américo, em português), que mais não fez que deixar-se assassinar por um inimigo político. A mãe, essa, não passou de beata (se bem que, entretanto, já lhe tenha ouvido chamar santa). A beata Gisela tem direito a uma pequenina relíquia, aparentemente um ossinho da mão ou do pé, que 50 florints fazem iluminar por dois minutos, para deleite dos crentes. Mais significativa é, de facto, a relíquia do marido: o rei guerreiro tem a sua mão fechada (a Santa Direita), negra e ressequida à disposição dos fiéis. A 50 fl cada 2 minutos, entenda-se.



A santa família húngara foi, de resto, uma família alargada: o braço direito do rei, o bispo Gellért (Geraldo), foi atirado pelos inimigos, dentro de um barril, do cimo do monte de Buda (onde hoje existe um monumento em sua homenagem) até ao Danúbio. Converteu-se no primeiro mártir cristão húngaro, consequentemente canonizado (pelos vistos, na corte do rei Estêvão era canja).

Agora, alguns dados históricos, para que não pensem que isto é só conversa fiada:

Estêvão I (c. 969-1038): nascido Vajk, filho do duque Géza (bisneto de Árpád, grande líder da tribo magiar e fundador da nação húngara) e de Sárolta (filha de um chefe tribal). O seu pai foi convertido ao cristianismo por Santo Adalberto, Bispo de Praga, e fez-se baptizar, em 974, juntamente com o filho, cujo nome foi, então, mudado para Estêvão (István). Em 996, casou com Gisela, filha do duque Henrique II da Baviera e irmã do futuro Imperador Henrique III. Em 997, sucedeu ao pai, após a morte deste. Deu início a um processo de unificação dos povos da região húngara e intensificou a evangelização do território. Organizou os magiares nas linhas do feudalismo germânico e acentuou a base religiosa da nova sociedade, para o que contou com a ajuda dos monges beneditinos, aos quais auxiliou na construção de vários mosteiros. Recebeu a coroa da Hungria e o título de Rei Apostólico das mãos do papa Silvestre II, no Natal do ano 1000. A coroa real húngara é até hoje venerada como relíquia e como símbolo da nacionalidade (a coroa, só por si, tem também história que chegue... Se pedirem muito, eu conto.).
Diz-se que dedicou a vida a fazer do seu reino, tanto quanto possível, uma imagem do Reino dos Céus (!!! Naquela época, não estou a imaginar bem como...). Deixou por escrito normas de governo para o seu filho e herdeiro, Américo, o qual não chegou a reinar, pois faleceu antes do pai.
Após a sua morte, a 15 de Agosto de 1038, desencadearam-se revoltas variadas e lutas sucessórias. Henrique III da Alemanha tentou anexar a Hungria, mas ao rei Estêvão acabou por suceder o sobrinho Pedro (1038-1046). A sua esposa, Gisela, retirou-se para uma abadia de beneditinas, levando uma vida de santidade.
Foi canonizado a 20 de Agosto de 1083, tornando-se o santo padroeiro da Hungria, celebrado anualmente no dia 20 de Agosto (dia de Santo Estêvão, transformado pelo regime comunista em Dia da Constituição). Da celebração, constava, tradicionalmente, uma procissão com a exibição da Santa Direita, encontrada miraculosamente preservada, aquando da abertura do túmulo, em 1083.

São Geraldo: bispo e primeiro mártir da Hungria. Abraçou a vida religiosa na Ordem Beneditina e em pouco tempo chegou ao serviço de abade do mosteiro. A Providência Divina levou-o de Veneza, na Itália, para ser o educador de Santo Américo, filho do rei Estêvão da Hungria. Voltando de uma viagem à Terra Santa, passou pela Hungria e a pedido do rei assumiu a missão de evangelizar com o seu grupo aquela nação, tendo sido nomeado bispo, nas fronteiras da Hungria, Roménia e Jugoslávia. Com a morte do rei, começou a luta pelo poder e ele lutou pela paz onde reinava a discórdia. Um dos pretendentes não só era contra o bispo, mas cultivava o ódio pelo Cristianismo.
Numa viagem em socorro do povo com a fé ameaçada, foi preso e apedrejado até à morte pelos inimigos da fé, em 24 de Setembro de 1046 (estranha omissão do episódio do barril...).

Ou, nas palavras de alguém mais credenciado do que eu (ou do que os duvidosos sites brasileiros de santinhos que consultei -- entre outras fontes, é claro):
Mensagem do Santo Padre João Paulo II por ocasião da celebração do milénio do Cristianismo na Hungria
Carta Apostólica do Santo Padre ao Povo Católico da Nação Húngara por ocasião do encerramento do "Milénio Húngaro"

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