My own private Matrix

Nunca fui consumista. Nunca suportei perder horas enfiada em lojas, rodeada de quinquilharias e contas de cabeça, para depois regressar com peso a mais, dinheiro a menos e muita tralha para gerir. Lembranças, só as absolutamente indispensáveis, para as pessoas incontornáveis. E mais facilmente me arrependo do que comprei do que daquilo que deixei na prateleira.
Há só uma coisa que ainda hoje me vem à memória. Um objecto que, na altura, não me seduziu o suficiente para me fazer enfrentar uma enorme fila na caixa de uma loja de souvenirs em Niagara Falls: um tapete de rato (que é coisa que até nem uso) ilustrado com um cartoon divertido, intitulado "Coisas que eu não vi no Canadá", em que um polícia montado, um alce, um castor, um urso e um índio posavam abraçados.
O mais frequente, nos regressos de viagem, é sermos assaltados por todo o tipo de perguntas, cujas respostas são, não raras vezes, recebidas com desconfiança. É impressionante a quantidade de coisas que deixamos por ver e fazer, consciente ou inadvertidamente (só 2 ou 3 anos depois de ter estado em Compostela é que soube a razão daquela fila enorme de gente atrás da imagem do Santo). Mas mais impressionante é a quantidade de estereótipos que construímos em torno de tudo o que nos é estrangeiro.
O meu irmão não acredita que eu tenha estado no Japão. Ainda hoje, ocasionalmente, me repete as mesmas perguntas: «De certeza que não viste empurradores no metro?».
Não, não vi empurradores no metro, nem carruagens separadas para homens e para mulheres, nem biquinis ultra-fio-dental, nem piscinas claustrofóbicas, onde se amontoam 100 milhões de pessoas stressadas, todas pequeninas e todas iguais, nem vi metade das imagens que assaltam a minha caixa de correio, com a garantia de serem o espelho da realidade japonesa. Não vi melões a 40 contos, nem hambúrgueres a 7,5 €, nem passei o tempo a comer peixe cru. E gostava de ver hoje alguém argumentar comigo que consegue distinguir claramente um japonês de um coreano, ou de um chinês ou vietnamita.
O meu irmão tem uma teoria: algures, durante aquelas 11 ou 12 horas de voo que separam Paris de Ósaca, e em que todos os passageiros, mais tarde ou mais cedo, se rendem ao sono, o avião terá sido desviado para outro qualquer destino - um Japão fictício, uma encenação para turistas. O verdadeiro Japão, esse, permanece inacessível, enleado nas teias do mito.

1 comentário:

Susana Rodrigues disse...

Hehehe, é incrível a quantidade de coisas que fantasiamos sobre os lugares e ainda mais incrível a quantidade de coisas que descobrimos após termos lá estado.
Deixo então algumas curiosidades sobre o Japão, mais especificamente sobre Tóquio, já que a minha prima está a morar lá há ano e meio: sim, os empurradores oficiais do metro existem mas provavelmente apenas em alguns locais; Os números das portas não são atribuídos segundo uma lógica geográfica mas segundo uma lógica cronológica (ou seja, à medida que são construídos); as batatas vendem-se unitariamente e não a peso; tudo, mas tudo é ilustrado com desenhos tipo "hello kitty", até a sinalização de extintores; os feriados duram uma semana; o protocolo social é algo inimaginável e se oferecer um presente tenha o cuidado de o embrulhar primorosamente. Se for um cd é melhor que o conheça, pois na primeira oportunidade ele será comentado pela pessoa que o recebeu;
Se tiver curiosidade pode ver mais em www.tokyoz.blogspot.com
Um abraço,
Susana