InterRail 2005 (III)

Devo dizer que os funcionários franceses não são dos mais simpáticos e esclarecedores. Parecem fazer um frete sempre que utilizam a língua de Shakespeare e nem sempre dão as informações mais correctas. Há que ter igualmente atenção às reservas e suplementos, pois nem sempre são necessários, mesmo que o funcionário afirme o contrário.
Apesar de a distância entre Paris e Amesterdão ser relativamente pequena, a verdade é que demorei imenso tempo a transitar entre os dois países. Passei inclusive algum tempo na gare de Bruxelas (Bélgica), mas, como acabei por nunca sair do seu interior, não há muito que contar.
Quando finalmente cheguei a Amesterdão, era noite escura. Já trazia a vantagem de conhecer a cidade (uma das que visitara no anterior InterRail), mas quando se chega cansado, com a mochila às costas e chove em catadupa, a verdade é que só se traz uma coisa no pensamento: encontrar uma cama no mais curto espaço de tempo possível! Assim voaram 30€ da minha carteira para pernoitar num quarto particular de aspecto duvidoso e não muito bem cuidado. No entanto, o tardio da hora e a época do ano (Agosto) leva a que a maioria dos hostéis esteja normalmente esgotada por esta altura, pelo que as alternativas não são muitas quando não se reserva antecipadamente, como era o caso. No dia seguinte, já com as baterias recarregadas, tratei de procurar novo alojamento, que acabou por ser um hotel à beira de um dos muitos canais. Os 20€ por noite e as melhores condições do dormitório animaram-me um pouco. E assim parti finalmente à (re)descoberta de Amesterdão.
A oferta é muita e variada. Amesterdão é muito conhecida pelas suas visões liberais: pelo seu Red Light District, que atravessei uma e outra vez num misto de curiosidade e estupefacção. Desde as mulheres nas vitrinas a tentar angariar clientes, aos "dealers" que perguntavam uma e outra vez: «You want cocain?», sex-shops porta sim, porta não, em alternância com coffee-shops, até às famílias que tranquilamente faziam o seu passeio nocturno, a cada passo mergulhava num mundo muito igual ao nosso, mas onde as coisas são feitas mais às claras. Não tenho uma posição bem definida sobre este assunto, mas muitas das razões que levaram os holandeses a optarem por este modelo assentam em premissas, a meu ver, correctas. Por ser uma excepção à escala europeia, tornou-se uma atracção turística, que traz o inconveniente de atrair algumas pessoas menos recomendáveis ao país, mas enfim... «if it's good for business, then it's a good business...»
Após passagem pelo posto de turismo, escolhi dois museus para visitar: o Museu de Van Gogh e o Amsterdams Historisch Museum. Gostaria de visitar outros, tais como a casa de Anne Frank, por exemplo, mas os preços praticados na Holanda têm muito pouco a ver com a nossa realidade social. Os mais baratos nunca custam menos de 10€ cada um. O primeiro que mencionei alberga a maior concentração de trabalhos do celebérrimo pintor Van Gogh, se bem que algumas das suas obras mais conceituadas se encontrem nas mãos de coleccionadores particulares. Inclui telas de dimensões variadas (algumas de alguns pintores contemporâneos seus amigos), uma explicação detalhada do que foi a sua vida, modelos que utilizou nas suas pinturas, etc. De qualquer das formas, creio que merece uma visita, em especial para os apreciadores de arte.
Existe também o Museu de Rembrandt, mas quem não dispõe de muito tempo terá de optar por um dos dois.
O outro museu que visitei foi o Museu de História de Amesterdão, pois a História sempre foi uma das minhas paixões. É um museu interessante, descreve a evolução da cidade ao longo dos tempos. Fiquei a saber, por exemplo, que Amstel, para além de ser uma conhecida marca de cerveja, é também o nome do rio que banha Amesterdão e é daí que vem a origem do nome da cidade, é o rio Amstel represado. Contém uma colecção de artefactos de cada uma dessas épocas. A que me chamou mais a atenção foi a da época mercantil da marinha holandesa, que na época rivalizava com a nossa (e suplantava-a). Ainda hoje em dia, continua a ser feita história nas ruas de Amesterdão. Existem canais a serem drenados para serem transformados em ruas e vice-versa, num processo de metamorfose contínuo que tornou Amesterdão numa das cidades do mundo mais interessantes de visitar.


O Red Light District. Constitui um dos principais pólos de atracção de turistas, não necessariamente pelos melhores motivos, mas enfim... Possui inúmeras vitrinas onde as mulheres se colocam a partir do fim da tarde, tentando aliciar clientes, e também sex-shops e coffee-shops em profusão ao longo do canal da foto e dos canais adjacentes. É um local com uma mística própria, especialmente à noite. No entanto, devo referir que não me pareceu ser muito seguro.

Entrada do Museu Van Gogh, um dos principais museus da cidade e que alberga a maior concentração de obras de Van Gogh em todo o mundo. Tem mensagens de boas-vindas em quase todas as línguas à entrada, português incluído... mas, se bem me recordo, a nossa continha um erro grosseiro... Palavra que eu às vezes penso existir mesmo um complot contra a nossa mui nobre, mas tão maltratada língua camoniana. Não é preciso procurar muito para encontrar exemplos palpáveis daquilo que digo.

As bicicletas são uma paixão nacional na Holanda. Este parqueamento para bicicletas à beira de um dos principais canais da cidade atesta bem as minhas palavras. Constituem óptimos meios de transporte, não provocam poluição, aproveitando da melhor forma a planura das terras holandesas, se bem que deva realçar que por lá os direitos dos ciclistas suplantam os dos pedestres por larga margem. Tive mais receio de ser atropelado por bicicletas na Holanda do que por carros... e aquele constante zumbido das campainhas nas minhas costas enervava-me sobremaneira!

Gosto muito desta foto. É a prova em como é o toque do artista e não a qualidade da tela que cria a obra de arte. A partir de uma carcaça automóvel onde foi colocada terra, criou-se um original vaso onde crescem flores e inclusive uma árvore de pequeno porte. Todos sabemos a quantidade de carros abandonados que proliferam nas nossas cidades. Muitos não são recolhidos pelas autoridades competentes, servindo de abrigo a toxicodependentes e tornando as cidades mais feias. Por que não seguir este exemplo vindo da Holanda?

Um dos maiores ex-líbris da Holanda, os famosos moinhos holandeses. Não parece, mas a foto é tirada de um comboio a alta velocidade (durante a viagem para Den Haag). O céu azul é enganador. Foi um dos dias em que apanhei uma das maiores molhas, lá mais para o fim do dia!!!
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Texto e fotos de Pedro Bicho

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