InterRail 2005 (V)

O Pedro, depois de acabar o curso, deu asas ao seu espírito aventureiro e embarcou numa experiência Comenius que o levou à Noruega, onde se encontra a trabalhar desde Setembro. Mas não se esqueceu de nós, e enviou agora a continuação das suas aventuras no InterRail de 2005, com «snowy regards from Trondheim». Uma delícia, estas crónicas do Pedro, e uma excelente prenda natalícia! Muito obrigada e um grande abraço, deste ameno país que o frio já colocou em alerta amarelo, mas sem perspectivas de um Natal branco.
Não parece, mas estou a viajar de comboio... O local, algures no Báltico, no estreito que separa a Dinamarca do sul da Suécia. O barco está adaptado para receber comboios no porão, pois não existe linha férrea entre as duas margens.
Os dois dias seguintes foram essencialmente a fazer quilómetros e a subir no mapa tanto quanto possível, para depois fazer o trajecto inverso, escolhendo, então, algumas cidades para visitar com mais minúcia.
Deambulei algumas horas por Gotemburgo, cidade que conhecera no ano anterior, mais para recordar sítios e monumentos familiares, do que para fazer visitas mais detalhadas, pois o tempo não era muito. Ao final da noite, embarquei então no comboio da noite e iniciei mais uma viagem do imaginário. Já o referi, mas nunca é de mais referir, os comboios são dos melhores da Europa e dá para descansar relativamente bem, seja recostando a cabeça, procurando a posição mais confortável, seja utilizando dois assentos e improvisando uma cama. Eu enfiava-me no meu inestimável saco-cama e optava sistematicamente por esta última, mas, claro está, se o titular do bilhete onde os meus pés descansavam entrasse a meio da noite, a probabilidade de eles mudarem de posição era assaz considerável.

A vida a bordo do comboio... posando para a fotografia.
Recordo-me de, numa das noites, ter dormido no chão, no espaço entre duas filas de assentos, entre a estrutura metálica. Soa estranho? Bem, é o local onde a trepidação do comboio é menor e a posição horizontal permite algum descanso ao corpo. Para mim, essas horas surgiram como um maná dos deuses, pois o comboio estava apinhado de gente nessa noite em particular, e não havia posição que pudesse proporcionar algum conforto, sem ser essa. Adiante.

Paisagem do norte da Suécia. Muitos lagos, criando uma notável harmonia com as montanhas envolventes. Creio que faz parte de um Parque Nacional, deve ser um sítio fantástico para fugir do bulício da vida stressante das cidades modernas. A única forma de entrar no norte da Noruega é via Suécia, pois é uma zona muito montanhosa e sem ligação por estrada ou linha férrea do lado sul.
Cedo pela manhã, aproveitei os primeiros raios de sol para vislumbrar a imensidão das florestas escandinavas. Devo dizer que fiquei um pouco desapontado. Se bem que parte da floresta seja quase tundra, a dimensão reduzida da maioria das árvores deixou-me um pouco nostálgico de tempos passados, onde a indústria da celulose e a avidez humana pelo lucro fácil ainda não ditavam leis como o fazem hoje em dia. Ainda assim, vi alguns alces e alguns veados. Lobos e renas, nem por isso, talvez por, mesmo aqui, serem espécies ameaçadas e confinadas a alguns parques remotos, onde equipas de televisão se deslocam esporadicamente para alimentar essa mesma nostalgia de tempos passados, onde os animais vagueavam livres pela floresta...
As árvores esbatidas na distância, teimosamente fugindo do meu olhar, sem nunca se deixarem apanhar, fizeram-me regressar à realidade, lembrando-me da minha efémera condição de passageiro. Quando passamos tanto tempo num comboio, às vezes é fácil esquecermo-nos que de facto somos setas em movimento.

Junto à fronteira norte Suécia / Noruega, na parte sueca. Mesmo em Agosto, é possível observar alguma neve nas montanhas, alimentando as muitas cascatas que serpenteiam pelas encostas abaixo.
A paisagem do norte da Escandinávia, junto à fronteira entre a Noruega e a Suécia, foi das mais bonitas com que me deparei durante a viagem. Muitas quedas de água, muitos lagos, numa perfeita harmonia com a natureza envolvente, o recortado das montanhas na distância. Mesmo em Agosto, alguns dos cumes mostravam ainda alguma neve. Encontrei muitos amantes da natureza nestas paragens. Munidos de tenda, mochila e bicicleta, iam saindo um após outro, sempre que nos aproximávamos de algum parque ou lago mais soalheiro. Os comboios encontram-se preparados para transportar as bicicletas e existe um grande vagão onde estas são transportadas.

Junto à fronteira entre a Suécia e a Noruega, do lado sueco. De realçar o padrão de cor das casas, na maioria de madeira e tonalidade ocre, com telhados inclinados (para não acumularem muita neve) e de tom acinzentado.
Gostei muito de ver, mesmo junto à fronteira, numa zona muito pedregosa, as típicas casas de madeira escandinavas, pintadas de vermelho, na sua maioria, o telhado acinzentado inclinado e, em cada casa, um grande mastro de bandeira com a respectiva bandeira ondulando ao vento. Consoante a nacionalidade dos moradores, tanto poderia ser azul e encarnada como amarela e azul, fazendo um enquadramento muito agradável com a paisagem circundante e muito bonito de observar.
Após uma longa e esgotante viagem, cheguei então finalmente a Narvik. Situada já no interior do círculo polar árctico, dista umas centenas de quilómetros acima de Rovaniemi, na Finlândia, onde estive no ano passado e que marca o seu início. É uma pequena e pitoresca cidade do norte da Noruega, que irei descrever um pouco melhor na próxima crónica.

A chegada a Narvik. Aspecto da estação de comboios... um pouco parecido com o fim do mundo, sim (o:
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Texto e fotos de Pedro Bicho

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