(E)feitos de luz



A expressão tricks of the light habitava a minha imaginação desde a adolescência, já nem sabia bem porquê. É daquelas de que gosto, e pronto, daquelas que ganharam um valor próprio no meu vocabulário, ao ponto de deixarem de pertencer a uma qualquer outra língua que não a minha e de tornarem absurda qualquer necessidade de tradução. Daquelas que fazem uma pessoa parecer emigrante ou snobe.
O fenómeno do emigrês é um dos que sempre me interessaram, a que não é estranho o facto de ter tido, desde que me conheço, grande contacto com emigrantes. A explicação é sempre a mesma: qualquer empréstimo linguístico vem suprir uma falta da língua em que se vem integrar, ao nível da designação de uma realidade que é estranha à comunidade linguística que a fala. Essa lacuna é sentida no contacto entre diferentes culturas, e o método mais utilizado desde sempre, em todas as línguas, é o de a língua que a não tem tomar de empréstimo a palavra (ou expressão) utilizada pela língua que a tem, adaptando-a depois, com o tempo, no que diz respeito aos sons e à escrita. Foi assim com quase tudo o que temos e comemos, desde a laranja ao ketchup, passando pela banana, o chocolate, o esparguete e o croissant.
O mais interessante no fenómeno do emigrês, quanto a mim, é que, ao contrário dos empréstimos que são absorvidos por uma grande comunidade e que depois se generalizam e oficializam, os empréstimos do emigrês estão relacionados com o vocabulário específico de pequenas comunidades ou famílias, que depende em grande medida do seu grau de escolarização e de conhecimento do mundo através da sua língua materna. É por isso compreensível que muitos estrangeirismos só tenham entrado no vocabulário dos nossos emigrantes por eles desconhecerem a existência de palavras correspondentes no português. Por exemplo, ouvi emigrantes nos EUA utilizarem termos como jusse, frisa e vaso para se referirem, respectivamente, a sumo de fruta (embalado), congelador e autocarro (escolar). Não que não existisse designação para esses objectos em português: eles é que não tinham tido contacto com eles antes de saírem do país e, portanto, não sabiam como lhes chamar.
Mas há ainda aqueles casos de tradução difícil, como driveway, por não existir em português uma palavra que lhe corresponda, mas apenas perífrases mais ou menos longas. E aqueles que, traduzidos para o português, perdem a mística que lhes está associada, como Weltanschauung. E aqueles que nos fazem sentir mais cultos e globais, como blasé e, claro, snob.
Apesar desta longa excursão, tricks of the light não tem (necessariamente) nada a ver com isto: não é uma expressão que eu use correntemente, apenas foi a primeira que me veio à cabeça quando pensei em intitular um conjunto de efeitos de luz captados fotograficamente (passe a redundância, porque, na sua essência, a fotografia é isso mesmo). E pareceu-me tão adequada, tão feitinha à medida, que fiquei mesmo por ela.
Mas, ultimamente, começou a pesar-me o plágio: aquilo tinha dono, eu é que já não me lembrava quem. Puxando pela cabeça, vieram distantes associações musicais, coisas que o meu irmão ouvia - Genesis, talvez. Mas depois de pôr os googlónios a funcionar, lá me lembrei: os Genesis tinham, de facto, um título giro, mas era A Trick of the Tail, álbum e tema de 1976; Tricks of the Light é o título de uma faixa do álbum Discovery, de 1984, de Mike Oldfield. O mais assombroso é que me lembrei que ainda tinha um álbum de Mike Oldfield, que por acaso até era o Discovery, e que consegui pôr o meu velhinho gira-discos a funcionar, limpei o vinil e, do prato que já não calibra bem as rotações, através de uma agulha romba, o som lá chegou a umas colunas roufenhas e saiu cá para fora. Não gostei - aqueles sintetizadores trinados dos anos 80 conseguem, por vezes, desagradar-me. Mas ouvi com gosto To France, o grande hit (como é que se diz em português?...) do álbum, e aproveitei a rodagem (literalmente) para matar saudades dos meus discos antigos (Bruce Springsteen, U2, David Bowie...) e dos efeitos sobrepostos dos riscos e marcas no vinil.
Concluindo, decidi escolher um novo título para as minhas experiências com os efeitos de luz.




Portalegre, 4 de Janeiro de 2008

1 comentário:

Susana Rodrigues disse...

E olhe que vinis desses no e-bay, davam umas massas ;)
Conheço um tipo que se dedica agora a comprar todos os vinis de U2 que lhe aparecem pela frente...

Beijinho!