Papa-unescos (XII)


Kōyasan, Monte Kōya (Prefeitura de Wakayama, Japão), Agosto de 2004

(26) Locais Sagrados e Rotas de Peregrinação nos Montes Kii (Japão)

Foi na sua 28.ª sessão anual, decorrida, na China, entre 28 de Junho e 7 de Julho de 2004, que o Comité do Património Mundial decidiu classificar como Património da Humanidade os locais sagrados da Península de Kii. Por essa mesma altura, andávamos, eu e a MJ, a preparar a nossa viagem ao Japão. Ela, sobretudo, que eu andava ocupada com a minha ida ao País de Gales, da qual chegaria directa ao avião que nos levaria ao outro lado do mundo. E foi por esta altura que ela ouviu falar em Kōyasan, e decidiu que seria o primeiro lugar que visitaríamos.
Ora acontece que, na época, os sítios de Internet japoneses eram muito pouco navegáveis, tinham quase nenhuma informação em línguas ocidentais e, quando ela tentava telefonar para algum número que descortinasse entre os caracteres japoneses, invariavelmente, atendia alguém que arranhava muito a custo o inglês, ou nem sequer isso. Percebemos, quando lá chegámos, que os japoneses, em geral, não dominavam o inglês, o que tornou a nossa comunicação com eles uma verdadeira aventura. Por telefone, então, era impossível.
Assim, pediu-me que, num dia em que estava menos ocupada que ela, fosse à Embaixada do Japão, solicitar informações e ajuda com a reserva de alojamento em Kōyasan. Fui recebida por um senhor de poucas falas e pouco interessado nos nossos problemas, que desvalorizou a importância do Monte Kōya ("É um monte com um templo em cima, só tem interesse para peregrinos e pessoas religiosas.") e me despediu de mãos quase a abanar.
A MJ ficou desiludida, mas não desistiu: iríamos na mesma, depois se via. Eu, ocupada que andava com os meus afazeres, não pensei muito nisso, até desembarcarmos em Osaca, sem termos onde passar a noite.




O templo Kongōbu-ji e o jardim de pedra Banryūtei

No aeroporto, dirigimo-nos ao balcão de informação turística, onde fomos recebidas por uma senhora muito competente que telefonou para o Turismo de Kōyasan e nos reservou alojamento num dos templos, em regime de Shukubō. Mudámos de cor, ao ouvirmos o preço da diária, mas, com uma viagem de cerca de 15 horas em cima e outra, até Kōyasan, pela frente, não discutimos.
De Osaca, apanhámos o comboio da linha de Kōya da companhia Nankai (página oficial aqui), até à estação de Gokurakubashi, de onde subimos, de funicular, até Kōyasan.
Já não me lembro como nos orientámos, mas conseguimos encontrar o templo onde íamos pernoitar. Era grande, bonito, calmo, os monges eram simpáticos e a comida boa, mas era demasiado caro. No dia seguinte, passámos no posto de Turismo, onde nos arranjaram alojamento mais barato, num templo mais pequeno.
Não me consigo já lembrar do nome de nenhum dos templos onde ficámos. Hoje, é bem mais fácil encontrar alojamento em Kōyasan, com esta página, que especifica até as características e as ofertas de cada templo. Nunca subestimar a referência a "Western-style toilets": além do conforto, por contraste com os "Japanese-style toilets", oferecem a experiência e a aventura dos tampos TOTO.


O templo Henjoden






Mais templos no complexo de Danjogaran (e mais aqui e aqui)

Shukubō é uma experiência muito interessante e enriquecedora e, para quem acabava de aterrar no outro lado do mundo, uma imersão na cultura japonesa e no Budismo Shingon. Os templos são construções antigas, de madeira; os quartos são tradicionais, com tatâmi no chão, futons que se desenrolam à noite, para dormir, e quimonos para os hóspedes se porem à vontade; a comida, shōjin-ryōri, é vegetariana, com algumas especialidades locais de tofu.
Na nossa primeira noite, no primeiro templo, o jantar foi servido na sala de jantar, grande, escura, com uma iluminação ténue, e quase silenciosa, com os hóspedes a comerem calados, acocorados no chão. Os monges trouxeram-nos os tabuleiros: várias tigelas e malgas, com comida aos pedacinhos. Agradaram-me particularmente uns aperitivos secos, no fundo de uma tigela, que me pus a debicar. Na mesa ao lado, estava uma família japonesa, pai, mãe e filho jovem adulto. Ao ver-me comer, a mãe chegou-se perto de nós e explicou, num inglês básico, que aquilo era a sopa, e que tínhamos de ir buscar a água fervente para deitar sobre os legumes desidratados. Foi connosco mostrar como se fazia e prontificou-se a esclarecer as nossas dúvidas de recém-chegadas. Foi por ela que soubemos que podíamos assistir às cerimónias religiosas da manhã.
A MJ deixou-se dormir, mas eu, ainda abananada com o jet lag, mal preguei olho e, pelas 5 horas da manhã, lá estava no sítio que a senhora me tinha indicado. Ela reconheceu-me (não era difícil, os outros hóspedes eram japoneses) e adoptou-me: mostrou-me como podia participar na cerimónia, acompanhou-me e elogiou a minha aprendizagem. Mais tarde, ela e o filho ensinaram-nos algumas palavras em japonês e deram-nos conselhos sobre coisas a ver e a fazer.
Durante os dois dias que passámos em Kōyasan, visitámos o complexo de Danjogaran e vários dos seus templos, e o cemitério de Okunoin, como já aqui contei.
Não falei sobre os monges, em geral jovens (eram os que falavam inglês, e, provavelmente por isso, os que estavam em contacto com os hóspedes), simpáticos e delicados. No segundo dia, ao serão, deixámos aberta a porta que dava para o jardim (esta porta) e a luz atraiu três vespas, que ficaram a esvoaçar à roda do candeeiro, no tecto. Ora, eu não as tinha convidado e, se fosse mais alta, tinha-lhes dado umas chineladas, que não me sentia capaz de adormecer com aqueles bichos a olharem para mim. Assim, fui pedir aos monges ajuda para resolver a situação. Intimamente, esperava vê-los pegar numa embalagem de insecticida, mas, budistas como eram, vieram dois com muita calma e delicadeza, atraíram as vespas para a suas mãos nuas e sopraram-nas de volta para o jardim.
O tal monte com o templo em cima, como mo descreveu o funcionário da embaixada, em Lisboa, é o local Budista Shingon mais venerado do Japão, e uma grande atracção turística, à época, sobretudo para japoneses, mas nem por isso deixámos de nos cruzar com um autocarro cheio de espanhóis, que encheram de salero e barulho aquelas paragens tão espirituais.






O cemitério de Okunoin

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