#TBT: Osaca, 2004


Osaca (Japão), Agosto de 2004

Depois de Atami, voltámos a Tóquio, para mais dois dias de passeio, findos os quais rumámos a Osaca, para gastar os nossos últimos dois dias, antes da viagem de regresso a Lisboa.
No início do nosso périplo japonês, o tempo estava quente e húmido, mas, em Hakone, tornou-se enevoado, por vezes chuvoso. Creio que foi nessa altura que resolvemos investir em capas impermeáveis; de regresso a Tóquio, comprámos guarda-chuvas.
Em Osaca, no final de Agosto, o tempo instável foi-se agravando: ainda quente, mas cada vez mais húmido e chuvoso. As abertas permitiram-nos alguns passeios, mas não nos aventurámos muito, e não nos afastámos demasiado de Umeda, tanto mais que aterrámos em plena época de saldos e as paisagens interiores, protegidas, tornaram-se mais apelativas. De resto, ao fim de três semanas, sentimos que já tínhamos a nossa dose de Japão tradicional.



Lembro-me de termos ido à procura do Teatro Nacional Bunraku. Apeámo-nos do metro, na estação indicada, mas não conseguíamos perceber qual a saída correcta. É de notar que as estações de metro, em Osaca como em Tóquio, chegam a ter 15 saídas, todas numeradas e orientadas para direcções totalmente diferentes. Naquele dia, tínhamo-nos esquecido de anotar a saída pretendida e arriscávamo-nos a acabar desorientadas. Assim, pedimos ajuda a outro passageiro que saiu na mesma estação.
Antes de mais, convém explicar que essa era uma prática que evitávamos ao máximo. Não porque não quiséssemos interagir com os habitantes locais, mas por medo de incomodar. Explico melhor: a primeira vez que parámos alguém para pedir ajuda, esperávamos algo como: "Está a ver aquela esquina ali à frente? Vá por essa rua, vire na segunda à esquerda, depois na terceira à direita, siga até um cruzamento, onde há-de ver uma bomba de gasolina, vire à direita, depois na segunda à esquerda,... Ou então pergunte outra vez na bomba de gasolina. Sempre às ordens!" Na prática, esperávamos aquilo que é comum em Portugal: que nos pusessem na direcção certa, que depois nos encarregaríamos de ir pedindo instruções pelo caminho. Não. O primeiro japonês a quem pedimos uma orientação disse, num inglês difícil e acompanhado por gestos: "Follow me". Levou-nos até ao sítio pretendido, fez uma vénia e um sorriso e afastou-se. O segundo japonês fez exactamente o mesmo, o terceiro e o quarto também. O que mais nos afligia era a ideia de que estávamos a perturbar aquelas pessoas, que se desviavam do seu caminho por nossa causa, e algumas até tinham um ar apressado, de quem estava a cumprir um horário apertado e exigente (no geral, todas tinham). Por isso, só mesmo em último caso é que pedíamos uma orientação. Naquele dia, lá teve de ser, antes que recomeçasse a chover. Ainda tentámos explicar ao senhor que bastava dizer-nos o número da saída, mas ele nem ouviu mais nada: levou-nos directamente ao teatro, que ficava a vários quarteirões de distância. Depois, sorriu, fez uma vénia e voltou, apressado, para trás. No fim, nem nos serviu de muito, que a temporada tinha acabado poucos dias antes, e não havia ali muito que ver.



Na última noite em Osaca, o tempo piorou abruptamente. Decidimos que não havia muito que pudéssemos fazer no exterior, mas também não nos apetecia ficar no nosso business hotel. Foi então que a minha amiga teve uma ideia peregrina: por que não irmos ao cinema? Havia salas na maior parte dos centros comerciais, mas ao contrário do que era comum em Portugal, o cinema situava-se no último andar dos edifícios. Fomos até ao depāto mais próximo e escolhemos um filme cujo cartaz andava espalhado por todo o lado e nos parecia bonito. Tratava-se de uma história de heróis de artes marciais, situada na China antiga, com paisagens lindíssimas, guarda-roupa vistoso e muitos efeitos especiais, mais precisamente este. Era um belo filme, falado em chinês e legendado em japonês, que nos manteve entretidas durante duas horas. Na prática, tive de o rever em Portugal, por acaso, numa cópia pirata, legendada em inglês, para conseguir perceber alguns pormenores da trama que escapavam à linguagem corporal.
Quando saímos do cinema, o tempo estava mesmo muito mau: chovia torrencialmente e o vento soprava em rajadas fortíssimas. As ruas estavam praticamente desertas, mas não podíamos ficar no centro comercial, que estava a fechar. Embrulhámo-nos nas nossas capas plásticas e lá decidimos fazer-nos ao caminho, sempre encostadas às paredes, parando e agarrando-nos a alguma saliência, quando o vento soprava mais forte. Avançando devagar, lá conseguimos chegar ao hotel, todas ensopadas, e, pela primeira vez no Japão, ligámos a televisão, para tentar perceber o que se estava a passar. No écran, mapas e imagens com anotações meteorológicas, enquanto, em voz-off, se sucediam os comentários num japonês rápido e nervoso. Percebemos que aquele temporal não era coisa banal, mas não havia nada que pudéssemos fazer, por isso, embalámos a bagagem e, até adormecermos, ficámos a discutir a possibilidade de o nosso voo ser cancelado.
De manhã, o dia estava bonito, um belo céu azul com simpáticas nuvenzinhas brancas e um sol radioso. No comboio para o aeroporto, uma síntese informativa que passava numa linha de pontinhos vermelhos dava conta dos principais índices da bolsa e da passagem, na véspera, do tufão #16 por Osaca. Aparentemente, tudo normal.
Só recentemente descobri que o 16.º tufão da época de 2004 foi o segundo pior do ano, classificado na categoria de super-tufão (categoria 5, na escala de Saffir-Simpson) e designado pelo nome próprio de Chaba.



Regressámos a Lisboa sem qualquer percalço. Eu, contente por reencontrar leite, fruta, talheres e guardanapos (não, os japoneses não usam guardanapos, só às crianças é admitido sujarem a boca a comer). Os amigos pediam-me histórias, mas o que me marcara perdia-se no indizível do cheiro do tatâmi, da elegância dos japoneses (eles e elas: nunca vi tantos cabeleireiros por metro quadrado), da omnipresença dos recentes smartphones, da estridência das vozes femininas, da delicadeza das vénias, dos olhares cúmplices entre ocidentais, que se reconheciam mutuamente pelos olhos redondos, da sensação de ter ido até ao fim do mundo, de onde nunca se retorna igual.

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