#TBT: Amadora, Pão de Açúcar


Venda Nova, Amadora, 1972

Esta foto não é minha, encontrei-a, já nem sei onde nem quando, e guardei-a na caixa das recordações do tempo que já lá vai. A única referência que mantive da localização original foi a data, 1972, que coincide com o ano da inauguração da primeira grande superfície comercial da Amadora, que só teve rival à altura em 1987, se não estou em erro, quando abriu o hipermercado Continente.
À época, era uma grande novidade. O meu bairro, o Bairro Novo, era bem servido de comércio, mas de tipo tradicional: entre a então Avenida Marechal Carmona e as ruas adjacentes, havia, se a memória não me falha, a peixaria da Maria de Jesus, a drogaria do Rogério, a mercearia do Antunes, o lugar do António (vendia fruta, legumes, ovos e galinhas, que criava na casa de banho, onde também as matava, para quem não as queria levar vivas), a padaria da Menina Luísa, a taberna do David (que tinha, em anexo, uma carvoaria), a retrosaria de uma viúva e da filha solteirona, cujos nomes não recordo, o talho do Evaristo, a farmácia da D. Maria José, a funcionária sisuda, a mercearia do Artur, que tinha grandes barris de comida para animais, onde eu me entretinha a enfiar os dedos, tal qual a Amélie, e, sobre o balcão, uma guilhotina para cortar bacalhau. Eu, que adorava experimentar a comida para animais, punha a dentição em risco com o milho para as galinhas e tinha uma especial predilecção pela ração para coelhos, aquela amálgama cinzenta em pequenos cilindros, cujo sabor voltei a apreciar mais tarde, quando o desejo de uma alimentação saudável me levou a apostar nos cereais à base de farelo de trigo.
Um dia, um antigo marçano do velho Antunes, jovem e empreendedor, comprou-lhe a mercearia e chegou a acordo com o Artur: ligou as duas lojas e abriu o primeiro supermercado do bairro, que viria a ser um de vários de uma cadeia que se espalhava pelos subúrbios lisboetas. Só na Amadora, conheci dois, um perto da minha casa, outro perto da da minha tia. Ainda mais perto de mim, abriu, não me lembro se um pouco antes se um pouco depois, um minimercado, preferido pela minha mãe, quer pela proximidade, quer pelos preços mais atractivos.
Já a minha tia frequentava os dois que lhe ficavam na vizinhança: o supermercado do Bairro do Bosque e o Pão de Açúcar da Venda Nova. O meu tio aproveitava também a lavagem de automóveis automática, outra inovação na zona.
A minha mãe ia mais esporadicamente ao Pão de Açúcar, por ser distante e careiro. Mas, às vezes, lá me arrastava para aquele fim de mundo, longe, muito longe, entre fábricas e laboratórios farmacêuticos, quase às Portas de Benfica. Pior, só mesmo quando me levava a acompanhar a vizinha devota na sua peregrinação anual ao jazigo do Santo Padre Cruz, no Cemitério de Benfica. Ou mais tarde, quando a curiosidade nos levou ao Continente, como sempre, a pé.
Com o tempo, fui perdendo o rasto ao Pão de Açúcar da Venda Nova, onde há muitos anos não entro. De cada vez que lhe passava à frente, via um letreiro novo: lembro-me de ter sido Feira Nova, depois Pingo Doce, que creio que ainda é.
Não guardo muitas lembranças do Pão de Açúcar, para além do facto de ser uma loja muito grande onde havia de tudo (até livros, que os miúdos gastavam de tanto ler) e das bolas com os números das caixas. A melhor recordação que tenho é a do concerto de Cesária Évora, no final dos anos 90, no parque de estacionamento: famílias inteiras de origem cabo-verdiana, dos avós aos netos, a viverem intensamente aquele momento de África em Portugal. E a diva, sempre diva, descalça, a dominar o palco como se fosse a sua casa, com a cadeira, a mesinha, o candeeiro, o copo e a garrafa, e a voz. E a condescendência com que aceitou o ramo de flores com que o Presidente da Câmara a quis homenagear. Foi um grande espectáculo.

1 comentário:

Vítor Batista disse...

Ainda me lembro da pista de carros de choque que havia frente á entrada no parque de estacionamento.
Nessa altura vivia na Venda Nova em frente á garagem Eduardo Jorge, onde enfrentei as famosas cheias de 1967 tendo ficado dentro de casa com água a atingir mais de 2 metros de altura. Momentos que nunca esquecerei.
Quanto ao texto, está espectacular, fez-me reviver cada palavra aí escrita.
Adorei